PORTO SEGURO - Quase meio século depois da esquadra de Cabral, em 1961, o Monte Pascoal, como ficou conhecido o morro, virou uma unidade de conservação integral: o Parque Nacional do Monte Pascoal. À época da criação, entretanto, da mesma forma como há 500 anos, a terra já tinha seus habitantes nativos: os índios, hoje da etnia Pataxó. O reconhecimento oficial do direito ao território pelos indígenas só veio trinta anos depois, com a homologação da Terra Indígena Barra Velha (Decreto N° 396/1991), com todos os seus 8.627 hectares reconhecidos sobrepostos à área do parque. A sobreposição de áreas protegidas, entretanto, não significou proteção extra e tampouco foi capaz de impedir a extração ilegal de madeira. “Sumiram os parajus, os jacarandás, as braúnas, essas madeiras nobres… É um monte de árvore que não existe mais no parque”, lamenta a gestora do parque, Cássia Saretta.
A retirada de madeira é um conflito entre os próprios indígenas, já que parte deles está envolvida na extração enquanto outra parte luta pela preservação da mata e entende que ela é sua maior herança e legado. “A floresta é minha mãe”, conta o cacique Braga, da aldeia Pé do Monte, uma das 17 que vivem dentro e no entorno do parque. O impasse entre os índios e a falta de fiscalização fez com que o Conselho de Caciques das aldeias do Monte Pascoal tomasse uma decisão na última sexta-feira (07): fechar a porta da guarita principal do parque e revezar turnos de vigia durante a noite para bloquear a entrada e saída de caminhões de madeira.
“Essa tiração de madeira não é de agora e está prejudicando a gente. Tomamos a decisão e passamos o cadeado no portão. O parque não está fechado para os visitantes, nem para os parentes e moradores das aldeias, não está fechado para o carro do ICMBio, do IBAMA nem da Polícia Federal. Nós fechamos a porta para os carros madeireiros”, explica o cacique Braga, que aponta que a última operação de fiscalização no parque foi há pelo menos uns 3 anos.
Ele conta que o esforço, por ora voluntário de vigília, é uma medida emergencial, mas que eles esperam ter apoio dos órgãos ambientais para institucionalizar a vigilância permanente na guarita, que apesar de não ser o único acesso possível ao interior da unidade de conservação é a entrada principal do parque.
Enquanto parte da madeira é levada em toras a diferentes centros comerciais, outra parte da madeira fica com os próprios pataxós, que a usam para fabricação de gamelas [vasilhas de madeira] e colheres de pau que são vendidas em barracas na margem da estrada, ao longo de todo trecho da BR-101 que conecta Porto Seguro ao parque.
O desmatamento no sul da Bahia - De acordo com os últimos dados de monitoramento divulgados pela Fundação SOS Mata Atlântica, entre outubro de 2017 e outubro de 2018, o estado da Bahia registrou o desmatamento de 1.985 hectares, o equivalente a quase 2 mil campos de futebol. O estado ocupa a quarta posição no ranking brasileiro do desmatamento na Mata Atlântica. Os dados de 2019 ainda não estão disponíveis.
Dentro do Parque Nacional do Monte Pascoal, o último pico de desmatamento foi registrado no período entre outubro de 2015 e outubro de 2016, quando a unidade de conservação perdeu 632 hectares de floresta. O monitoramento só é capaz de identificar desmatamentos superiores a 3 hectares, o que invisibiliza as possíveis supressões arbóreas feitas em menor escala.
Reflorestamento dentro do parque - Na contramão do desmatamento, no último domingo (09/02), houve uma ação de plantio de mudas nativas dentro de uma área desmatada no parque. A iniciativa é parte de um projeto financiado pelo BNDES e executado por uma cooperativa dos Pataxós, a Cooplanjé. O projeto visa a recuperação de uma área degradada de 220 hectares dentro do parque e os próprios índios da cooperativa são contratados para produzir e plantar as mudas. “Já saiu foi muita madeira, mas nós estamos lutando para recuperar a mata”, afirma o cacique Braga. Um respiro de esperança, mas que ainda assim não basta para apagar o alerta vermelho na floresta.